Waldemar Lima (cineasta)

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Waldemar Lima


Waldemar Lima (Aracaju, 11 de setembro de 1929 - São Paulo, 19 de janeiro de 2012) foi um cineasta sergipano que se notabilizou como diretor de fotografia do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha (1939-1981). Trabalhou com outros destacados diretores e atores do cinema nacional.

Biografia

A mãe, Cândida Lima, morreu quando ele veio ao mundo. O pai, Francisco dos Santos, além de ocupado com negócios no bairro Oficinas, hoje Siqueira Campos, tinha outros filhos para cuidar, então ele foi criado pela irmã mais velha, Miriam Santos de Oliveira. Morou na Rua São Cristóvão, depois na Rua da Frente (Avenida Ivo do Prado) e, por fim, na Rua Vila Cristina. Waldemar fez o ginasial no Colégio Jackson de Figueiredo e o científico no Colégio Ateneu Sergipense, escolas tradicionais de Aracaju, uma então privada e a outra pública. O menino Waldemar assistiu a bons filmes no Cine Clube de Aracaju. Foi sócio da Sociedade Sergipana de Fotografia, onde contou com a benevolência do médico Fernando Sampaio, de quem tomava emprestado a Rolleiflex. Ainda na terra ele realizou o primeiro filme, um curta em 16 mm chamado "A Procissão de Bom Jesus dos Navegantes", contratado pela Prefeitura de Aracaju e que se perdeu com o tempo. Também levado pelo médico, trabalhou no setor de radiologia do Hospital de Cirurgia, onde conheceu Maria do Nazaré, futura esposa. Em 1956, transferiu-se para Salvador. No mês de dezembro daquele mesmo ano, mandou buscar Nazaré, mas só se casaram oficialmente depois que ela completou 21 anos. Tiveram três filhos: Kátia Solange Lima, dentista, nascida em Salvador; Tatiana Cristina Lima, administradora hospitalar, natural de Aracaju; e Francisco Antonio Veloso Lima, o Kiko, redator publicitário, que nasceu em São Paulo. Kátia e Tatiana guardam no apartamento no bairro de Perdizes, em São Paulo, o pequeno e valioso acervo do pai, inclusive o fotômetro Norwood Director, o seu “amuleto”. Quando chegou a Salvador, Waldemar foi morar numa pensão nos Barris em frente à pensão de dona Lúcia, mãe de Glauber Rocha. Foi onde conheceu Luiz Paulino. Passaram a frequentar o Clube de Cinema da Bahia, assistiam palestras e debatiam com o crítico Walter da Silveira (1915-1970), mentor intelectual da juventude cinéfila baiana. Depois conheceu a Iglu Filmes e ali trabalhou como cinegrafista, passando a conviver também com Roberto Pires, Braga Neto, Oscar Santana, Elio Lima e o próprio Glauber, dentre outros do ramo. A produtora Iglu Filmes fazia o jornal cinematográfico “A Bahia na Tela”, que era exibido nas salas de cinema antes dos filmes. Trabalhou em uma loja de artigos fotográficos e foi fotógrafo de uma construtora que ia produzir o curta “Um Dia na Rampa”, roteiro e direção de Luiz Paulino. “Esse curta me projetou como fotógrafo cinematográfico”. No mesmo ano, 1959, Glauber o convidou para filmar “A Cruz na Praça”, um documentário sobre o cotidiano no Cruzeiro de São Francisco. Quando Glauber assumiu a direção de “Barravento”, após o diretor Luiz Paulino se desentender com a produção, Waldemar, que era o assistente do diretor de fotografia, foi chamado para refazer algumas sequências antes filmadas pelo renomado Tony Rabatoni. Além de Luiza Maranhão, Barravento tem no elenco Antonio Pitanga (que ainda se chamava Antonio Sampaio) e Lucy Carvalho. Foi operador de câmera em “A Grande Feira”, de Roberto Pires, onde fez uma ponta como dono de uma barraca, e depois fez o “Tropeiro”, do Aécio Andrade, um filme sobre tropas de mulas no interior da Bahia. Ainda em solo baiano, ele foi fotógrafo de dois curtas dirigidos por Rex Schindler: “Festival de Arraias”, a primeira película colorida que filmou e que foi premiado com medalha de prata no Festival de Bilbao, na Espanha; e “Ziriguidum”, ambos de 1962. Em 1964, depois de oito anos na Bahia e influenciado por Glauber Rocha, que enxergou o mercado local pequeno para eles, Waldemar Lima foi morar no Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa ele foi diretor de fotografia e codiretor com Luiz Carlos Maciel do filme “Society em Baby Doll”, adaptação de texto de Henrique Pongetti, com Nathália Timberg, Cecil Thiré, Zilka Salaberry, Marieta Severo e Ítalo Rossi. Mudou-se em 1967 para São Paulo, onde foi um faz-tudo na produtora Jota Filmes e acabou virando sócio. Depois foi para a Publifilms, onde também foi sócio. Foi ainda um dos proprietários da Publivídeo. Waldemar filmou em São Paulo “Bebel, Garota Propaganda”, primeiro longa de Maurice Capovilla, com Rossana Ghessa, Fernando Peixoto e Geraldo Del Rey. “O ponto máximo do filme de Maurice Capovilla, no qual a censura quer dar o maior corte da história do cinema brasileiro — mais de dez minutos — é a fotografia de Waldemar Lima, um sergipano conhecido no mundo inteiro pelo seu trabalho de câmara e diretor de fotografia do filme ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, dirigido por Glauber Rocha”, registrou a “Folha de S. Paulo”, em 5 de fevereiro de 1968. Filmou “Anuska, Manequim e Mulher”, de Francisco Ramalho Jr., em 1968, baseado em conto de Ignácio de Loyola Brandão, com Francisco Cuoco e Marília Branco, e que marcou a estreia de José de Abreu no cinema. “Um filme que tem uma luz que me agrada um pouco mais”, diria Waldemar. No mesmo ano, fez os três filmes episódios da série “As Libertinas”: “Ana”, dirigido por João Caleggaro, “Alice”, por Antonio Lima, e “Angélica”, por Carlos Reichenbach. Também fotografou “As Armas”, roteiro e direção de Astolfo Araújo, de 1969, “ousada produção, lançada meses após o AI-5”, segundo registra a história. Em 1973, Waldemar participou como colaborador do 2º Festival de Arte de São Cristóvão, a velha e primeira capital de Sergipe. E em 1988 decidiu voltar a morar na sua cidade natal. Em Aracaju, Waldemar trabalhou no Departamento de Memória da Secretaria Municipal da Cultura, gestão do prefeito Jackson Barreto, a convite da jornalista e secretária Lânia Duarte. A diretora do Departamento era a médica, jornalista e cineasta Ilma Fontes. Mas ele ficou pouco tempo. Quando retornou a São Paulo, passou a dar aulas de Fotografia e Iluminação para Cinema, inclusive na Funarte. Também ensinou na Escola Livre de Cinema e Vídeo de Santo André e no Curso de Cinema da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Membro da Associação Brasileira de Cinematografia desde os seus primórdios, tendo sido homenageado pelo conjunto da obra na semana ABC de 2005, desde os anos 90 ele se dedicava à formação de novos profissionais em cursos de curta duração. Em julho de 2004, por intermédio do professor Galileu Garcia, que foi assistente de direção de “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, e era amigo de Waldemar, a professora Iara Helena Magalhães, coordenadora do Curso de Cinema, TV e Mídia Digital do Centro Universitário do Triângulo (Unitri), em Uberlândia-MG, o convidou para ministrar o Workshop de Direção de Fotografia. No curso superior tecnológico com duração de dois anos, ele ministrou oficinas semestrais até 2011, quando a aproximação com a professora e diretora de cinema resultou no seu derradeiro trabalho como diretor de fotografia, o curta metragem “Piano em Conserto”, daquele ano. Waldemar Lima morreu em São Paulo aos 82 anos, após lutar por dois meses contra uma leucemia. A pedido, seu corpo foi cremado. As cinzas foram atiradas na foz do rio Vaza-Barris, um rio muito sergipano que separa os municípios de Aracaju, São Cristóvão e Itaporanga D’Ajuda. Ele considerava Aracaju sua “ilha da fantasia”.

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Diretor de fotografia de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, uma das obras paradigmáticas de Glauber Rocha, que revelou esse sergipano para o mundo, Waldemar Lima relata: “Em Deus e o Diabo, minha sintonia com Glauber e muitos papos sobre como fazer o filme me inspiraram a criar aquela luz. E foi um filme sem muito recurso técnico”. Pouco depois de chegado à Bahia ele contou com a confiança do jovem mentor do Cinema Novo. No livro “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha (Editora Civilização Brasileira, 1965), Waldemar detalha o embate do jovem cineasta com o reconhecido fotógrafo Tony Rabatoni, que por questões conceituais rompeu com Glauber durante a filmagem de “Barravento”: “O fotógrafo era um homem de alicerces profissionais, com anos de aprendizado na alienada Vera Cruz, com estágios feitos em Hollywood, e unia brilhante carreira no Rio e São Paulo. Para o nosso fotógrafo, o princípio máximo consistia na submissão da arte à técnica, em seu velho mecanismo endeusado e onipotente. Para o jovem realizador de Barravento, a técnica deveria ficar a serviço da arte. Não havia lugar para o preciosismo técnico”. Glauber não passava de um baiano desconhecido, que não conseguia convencer produtores do Rio de Janeiro e São Paulo na obtenção de recursos e equipamentos, mas ele e Waldemar sabiam que fazer cinema era questão ideológica e estava acima da técnica. “Foi nessa época que Glauber Rocha lançou seu lema: uma câmera e uma ideia. Naquele momento, este princípio pareceu-me verdadeiro e útil para o desenvolvimento do cinema nacional. Depois das refilmagens de Barravento, já me sobrava experiência para confirmar a necessidade do lema. Sentia que os grandes aparatos já não eram imprescindíveis”. Já com Deus e o Diabo na cabeça, um excitado Glauber dizia que queria uma fotografia dura, branca, que retratasse a caatinga e que não fosse um mero acessório pictórico dentro do filme. “Ele partiu do princípio de que a fotografia não devia ser bonita. E como poderia fazer fotografia não bonita na caatinga, onde qualquer mandacaru bem enquadrado ou contraluz dá uma fotografia bonita? (...) O contraste que escolhemos foi baseado na xilogravura da literatura de cordel, para ressaltar a estética regional”. Ele media a exposição do filme pela sombra, não pela luz ambiente. “Assim, o filme ficaria superexposto, estourando o céu e outras áreas mais claras”. Era junho de 1963. Após 60 dias foram realizadas todas as cenas exteriores do filme, produção de Luiz Augusto Mendes, dirigida por Glauber Rocha e fotografada por Waldemar Lima, trágica estória de misticismo ambientada no Cocorobó e na Monte Santo de Antônio Conselheiro, nos mesmos locais da Guerra de Canudos. No elenco, Yoná Magalhães, Othon Bastos, Geraldo Del Rey e Maurício do Valle. Quando o filme foi finalizado, Glauber tinha 25 anos e Waldemar, 34. A estreia aconteceu no Rio de Janeiro em 10 de julho de 1964. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes de 1964. E aparece como o segundo melhor filme brasileiro de todos os tempos no ranking da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), lançado em 2015. O primeiro filme da lista é “Limite” (1931), de Mário Peixoto, e em terceiro vem “Vidas Secas” (1963), de Nelson Pereira dos Santos. A lista foi elaborada a partir dos rankings pessoais dos membros da entidade, que reúne críticos e jornalistas especializados de todo o país. Fala o próprio Glauber Rocha, ainda em 1963: “Toda a equipe se portou muito bem, principalmente os meus colaboradores mais íntimos, Paulo Gil Soares, Walter Lima Junior e o fotógrafo Waldemar Lima. Adotando um processo fotográfico corajoso, mergulhando na sombra e na luz, de câmara na mão, Waldemar Lima criou uma fotografia viva e real, que não esconde a verdadeira face dos homens. Esta técnica, já usada por Luiz Carlos Barreto, Vidas Secas, e Fernando Duarte em Ganga Zumba, ganhou com Waldemar uma tonalidade inédita entre cinzas carregados e brancos violentos, que lembra intencionalmente gravuras do Nordeste”. (citado por Hamilton Oliveira, em cadernodecinema.com.br, setembro de 2012). Numa entrevista ao site revistacontinente.com.br, em julho de 2002, Waldemar admitiu que não era o primeiro escolhido para fotografar Deus e o Diabo. “O Glauber fez o convite a dois ou três fotógrafos de cinema de renome no Brasil, que não aceitaram fazer, pois era apenas um filme de um baiano desconhecido. Eu aceitei fazer. Eles fizeram dezenas de filmes e foram esquecidos; eu fiz um e entrei para a história”.

Para saber mais:

CARDOSO, Marcos (Organizador). Waldemar Lima: Uma câmera e uma ideia de luz. Aracaju-SE: Edise/Tribunal de Contas de Sergipe, 2017. 274 p. ISBN 978-85-8413-158-7. ESCOREL, Lauro e EBERT, Carlos. Entrevista com Waldemar Lima. Associação Brasileira de Cinematografia, s/d. http://abcine.org.br/site/entrevista-com-waldemar-lima-abc/ ROCHA, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965. ROCHA, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol (o filme). Rio de Janeiro: Rio Filmes, Estúdios Mega e Cinemateca Brasileira, 1964. https://www.youtube.com/watch?v=RyTnX_yl1bw TAKEUCHI, Teresa Midiori. Cor, luz e figurino no Cinema Novo e no novo cinema brasileiro. São Paulo: Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, outubro de 2012. ISBN 978-85-62309-06-9